DUAS XÍCARAS DE CHÁ


Desde o início da pandemia costumo preparar duas xícaras de chá.

Uma para mim.

A outra também para mim.

Para ser tomada após a primeira.

Isto porque, à cada gole do chá servido quente, me recordo das noites frias em que eu podia sair sem medo.

A fumaça a cruzar o espaço à frente do meu campo de visão me passa a sensação de movimento, de mobilidade, de liberdade do meu corpo ao vento.

E assim, demoradamente, eu tomo da primeira xícara de chá, sorvendo da infusão aromática e relaxante em cada pedaço do tempo.

Retardo a terminar. 

Ao arrematar o último trago, me valho da segunda xícara de chá.

Já morno, quase frio, penso como a anterior era mais convidativa. 

Nesta segunda chávena, observo que não há mais vapor algum nem uma aragem a ser descoberta.

Não há novidade.

É o mesmo chá, o mesmo sabor, a mesma erva.

Só que quase frio.

Sua densidade não me convida a sonhar e a esperar amornar para sorver da bebida milenar.

Sem esperança nem espera pelo resfriar da tisana não encerro o ritual.

Devolvo ao pires úmido e acompanhado à mesa da primeira xícara vazia.

Amanhã, repetirei o ato como liturgia.

(E os biscoitos postos no prato, servem apenas de adorno, intocáveis).


Adriana Paris

Comentários

  1. Adriana, que gostoso sentir sua boa energia através de suas palavras. Você confirma minha tese (até o momento, pelo que a vida me mostrou, verdadeira) de que sensibilidade anda junto com a positividade!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas