A MORTE PANDÊMICA - reeditada durante a Pandemia (texto Original A Morte de 2019)

A vida é implacável.
Ela existe para que seja possível morrer-se.
A caixa que abriga coração, rins, fígado, baço... quando decide jogar fora a chave do cadeado, não há quem consiga (re)abri-la.
Ele escolhe o corpo e o coroa com crueldade ao pódium.
É a corrida contra a vida. 
- Quantos morreram ontem?
- Quantos vão morrer hoje? 
- Pra quê tanto respirador?
Ele coroa mais um escolhido.


Os olhos se fecham, as mãos não seguram mais uma colher, os dedos não contam mais quantos anos ainda haveria a se viver.
A respiração antes sofredora não se esforça mais.
A chave do cadeado sumiu no tempo.
Fechou-se na cara a porta do futuro.


Eu viva. Eles mortos.
Eu mascarada. Eles mortuários.
Impossível explicar o sentimento que desperta quando a caixa, vazia de vida, vazia de ar, vazia de alma está ali e acolá, imóvel.
Aos montes.
Covas.
- Pra quê tanto respirador?
- É só mais um pobre!


E ela, a alma, já no seu novo lar, em paz, na luz serena a nos olhar. 
E a família, a chorar.
Um povo, a rezar.
Uma igreja vazia.
A lágrima de Cristo secou.
A morte talvez seja a grande sorte que chega quando não dá mais pra carregar o corpo, e o corpo não consegue mais carregar a vida.
A morte é implacável.
Só chega porque houve vida.
Mas o Rei que veio coroar com a morte tantas vidas está de passagem.

Uma nova aragem há de surgir.

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