ESTÔMAGO


o corpo provou alimentos indigestos
via ouvidos olhos nariz e boca 
quando ouvia o choro da criança com fome
via mulheres nas praças pedindo esmola
sentia o cheiro de outros corpos sem banho 

pela mesma boca que entra o pão
sai o palavrão que indaga alguns porquês
sem respostas até agora
acompanhando novas histórias de longe 
que chegam tristes pelos rádios e tv

fome saudade medo dúvida
fazem a boca do estômago falar
e provocam ardência queimação
vindo a bile espumar entre os lábios
e travar batalha com a acidez 

difícil ter estômago para engolir ignorância
despistar a fome real do desempregado
segurar o embrião de sonhos novos
à cada nova temporada de partes da vida
no caminhar arrastado de tanta gente dependente

também o estômago suporta outras dores e ausências 
solta suas sangrias, digere mentiras
busca aquietar os ruídos que saem em ecos
enterrando mortos seus e outros que nem conheceu

libélulas chegam bem perto da boca
aguardando a hora certa pra serem engolidas
com o comprimido da noite em goles d'água 
elas repousam calmas no jarro 
batendo asas sem voar

estômago cheio de venenos alheios
em processo de digestão secundária 
por ato involuntário de mastigação contínua diante de fatos veiculados feito sopas de letrinhas
nas notícias, nas lives e programas da tv

entristece ainda saber 
que milhares de estômagos sem destino certo
caminham por estradas e terras secas
entre armas, violências, proibições 
sem poderem gritar suas fomes e seus horrores

o mundo assiste anjos caírem do céu 
e a dor de ver flores que brotaram entre pedras
nas últimas duas décadas, murcharem
faz a dor e o nó no estômago aumentarem
sem bandeiras com barreiras em silêncio

ADRIANA PARIS 





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