DA SÉRIE: POEMAS A PARTIR DE IMAGENS. SILÊNCIO.

repousa o silêncio da louça oculta

onde dorme a fome e perece o sal.

meu coração servido à corte de faca

na saudade dos risos das crianças à mesa

e a infância, lá atrás esquecida,

retoma outros quintais.


meus olhos prostrados, sentem as canções 

de suas mãos suaves sobre os cabelos soltos

e à mesa jaz a felicidade adormecida

sem mistério, sem segredos, sem medalhas.

há apenas a pausa das cadeiras,

antes agitadas, preenchidas de ausências.


o silêncio me desperta as memórias

das rodadas de chá com amanteigados,

da macarronada disputada aos domingos,

das taças brindando em natais 

onde os presentes, desembrulhados um a um,

sobre a mesa expostos, riam das alegrias delas.


as mulheres da casa:

minha avó, minha mãe, minha irmã mais nova, 

minha esposa, à espera de nossa filha (que hoje já me faz avô),

ao redor da mesa, recontavam histórias de família

e eu fitava, uma a uma, sem me dar conta

que a casa cheia do perfume delas, era ouro.


ao redor da mesa nos olhávamos

conversando sobre futilidades e também sobre escolhas

para as decisões que viriam traçar caminhos.

e a luz morna dependurada, espalhava lugares

que se escondiam nos barcos dependurados ao pôr do sol na parede.

e eu ria mergulhado em um contentamento sem argumentos.

.

.

.

: eu era feliz.


a inexatidão dos lugares não demarcados 

fazia de nós errantes à mesa 

e nos víamos diferentes em todas as refeições

frente a frente, lado a lado, éramos tanto

e nos bastavam as travessas postas 

com aromas agridoce, cítrico, picante...


o silêncio hoje presente 

na mudez dos talheres apartados

me deixa acordado, sonâmbulo.

o grito surdo acompanha todos os cantos de mim.

ainda que não estejam aqui, minhas convidadas,

a mesa será posta e jantarei teus olhares e risos

que não foram embora quando decidiram partir.


Foto by Amilcar Machado Filho
Para a série: Poemas a partir de imagens, escritos por Adriana Paris.








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