O POTE QUEBRADO

O batismo e a comunhão serviram
Para me colocar dentro de um pote.
Bem lacrado eu quis quebrar a redoma
Diversas vezes mas não tinha força.
A tampa do vidro hermeticamente fechado
Não girava de dentro para fora,
Até que, despretensiosamente, numa tarde
O vidro quebrou-se e dezenas de cacos
Se espalharam pelo chão de piso frio.

E um frio arrebatou aquele meu corpo.
E um calor chegou logo depois.
Em seguida tremores e dores.
O desconcerto da carne nunca exposta
Bailou sem passos ensaiados
Na sala de estar com as janelas abertas
E o vento que só ventava lá fora
Entrou feito tornado por todos os cômodos da casa.

Os pés descalços e o corpo nu
Numa coreografia nunca antes experimentada
Deixavam o humano mais humanizado
Mas aflorava, ao mesmo tempo, algo sobrenatural.
Era a vida mostrando a cara sem maquiagem.
Foi um estampido surdo que parou de deixar
A palavra guardada e ela grita, desde então,
Por aqui, assim, por acaso e em explosão.

Vai e vem de passos inteiros e inacabados
Juntos, vão trilhando um caminho que nem eu sei.
É o andar necessário mas sem o ponto final.
E o pote nunca foi refeito nem seus cacos colados.
Ficaram por aí perdidos e quebrando-se cada vez mais.
Novas cores iluminaram o céu e o sol ainda nasce todos os dias.
Se o ar chega a faltar, fechar os olhos ajuda,
Escrever mais um pouco ajuda, sair para caminhar ajuda.

E de ajudas vou compondo,
Com notas musicais, uma melodia personalizada.
Há quem dê parecer mas não me coloco em julgamento
Apenas sou parte do processo.
Varrer o chão todos os dias e juntar as folhas caídas
Das árvores que me cercam também ajuda a renovar.
Mas nada apaga o que já se foi
Nem que a sombra venha de tempos em tempos
Para rememorar e, ao mesmo tempo, promover novos ares a respirar.



Comentários

Postagens mais visitadas