Silêncios
assim como Mia Couto, que afina silêncios,
o silêncio flutua em minha boca teimosa.
sóbrio, meu silêncio me leva à dimensões
e me torna, ao mesmo tempo, inquieta e letárgica
onde procuro apurar e filtrar todos os símbolos
e imagens da mente revestidas de tempestade
transformando-as em névoas tênues e necessárias
quanto ao meu silêncio fecundo
detenho-o para minha alma pastoreada com prudência
nem sempre percebida, mas provocada
por mera e otimizada sobrevivência.
: este silêncio alimenta-me e traz-me de volta.
o meu silêncio de escuta, por vezes, esgotado em cansaço
quando nunca, devora-me em pressa,
no aguardo, nada calmo, do silêncio alheio
para me arremessar ao oculto de uma vida inacabada
- deveras construída consciente e, noutras vezes,
- em derradeira destruição desguarnecida.
minha vocação não é o silêncio
ao contrário do Couto, nasci falante, desassombrada
e dentro de mim os sobrados se erguem e cem escadas me movem
porém, estar silente nos momentos onde o grito seria uma estratégia (ou tragédia)
é onde 'falo' mais
: apenas observo e absorvo, da manhã orvalhada, as náuseas da noite passada.
meus silêncios, no plural, manifestam-se de tempos em tempos
vejo-me várias e, várias vezes, em metamorfose constante
dançando entre girassóis adormecidos, aguardando o sol
no silêncio do fim de outono, com as flores quase ausentes,
dentro da minha ausência silenciada e soturna.
no silêncio mudo do meu sono, sonho-viajo-escrevo.
uma verdadeira série onírica desliza entre os dedos no teclado
e despertam poemas truncados, inesperados, distantes
como no sonho aberto onde o silêncio rompe o remanso
e do sepulcro nascem versos em um alarido próprio do paradoxo
entre a quietude e a balbúrdia do que sou, sem aspas e entre parênteses.
no repouso da voz nada tímida e discreta
na mudez perante a vida que espalha novas sementes de silêncios
vou aprendendo que o silêncio vivo produz vida emergente
que se cria, transforma, amadure, morre, renasce, cresce
e se apropria cada vez mais de silêncios distanciados da eventual morte
: é amor que chama o silêncio das vidas costuradas.
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