anjos não caíram do céu
a trovoada chegou cedo
e o mundo resolveu desabar
alagou além dos quintais
as ruas todas (tolas) da cidade
caiu granizo, raio
canivete, cinza molhada
árvore, muro, até avião
: transbordou o rio solitário
do céu despencou desventura
e mil sonhos naufragaram
vidas (quase inteiras) se perderam
e a lama mudou o asfalto de cor
o ônibus, feito barco, flutuou
a piscina suja não convidou ao nado, mas
sua borda transtornou a população
veio onda forte levando carros na contramão
apenas anjos não caíram do céu
tudo ficou turvo e conturbado
as asas se perderam lá em cima
não voaram (nem nadaram) os querubins
restou desassossego e antitetânica
o piso da casa soltou-se todo
boiaram as ilusões no presente
de um passado já conhecido
promessas chegam em todo pleito
e a dor que começa no peito
adormece o corpo que sem força
luta pra limpar a alma, o corpo e o chão
anjos não caíram do céu
e novos lampejos gritam estridentes do alto
meu coração de um salto
se ajoelha, pede calma ao Tlatoc, velho deus
senhor do raio e do trovão
não avance mais uma vez
dê-se trégua aos desatentos
sem tirania:
repouse o vento
adormeça às águas
sorria aos céus
descanse novo tormento
perdoe os desalentos
faça, à noite, o sol
vida viva (s)em tempo.
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