Do outro lado da rua.

Parado, em um espanto quase solar, o poeta na calçada oposta ao bar que abriga uma dúzia de outros homens sem poesia, ouve as risadas carregadas de choro que não se vê.
Este choro engasgado ainda no peito e na garganta tem vontade de gritar baixo, olhando para o copo já quase vazio, querendo que sua vida ruim esvazie assim, em mais um gole apenas.
E o farol fecha dando passagem aos pedestres, estancando os carros engatados sob aquele semáforo, nada indagador, como o poeta que não atravessa.
Mantém seu olhar para dentro daquele bar, sem placa, com fumaça escapando de bocas sentadas em mesas plásticas, sem toalhas e alguns pratos com torresmo e salame.
E conversas vazias e cheias de um cansaço já velho de vidas em construções assobradadas para um endereço incerto ao qual voltar. 
Algumas garrafas de cerveja sobre a mesa finalizam aquela conversa sem assunto e determinante para um final de tarde infernal.
O poeta não vê, do outro lado da rua, poesia nas dores de luta dos homens, mãos de obra suadas, lamentos sobre o dinheiro curto e mesmo assim escreve o que enxerga por trás dos olhares febris de gente simples que consegue driblar algumas mazelas do mundo com torresmo e goles de cerveja quase morna numa tarde de inverno paulista.
Do outro lado da rua um coração abriga olhares.

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