Sou puro plasma da jugular.

- Respirador.

- Vamos perder... 

- Entuba... emergência...

Acordo ofegante e procuro em meu corpo algum sinal de intervenção.

Nada.

Foi um dormitar em devaneios.

Até outro dia sonhava com vivos. 

Depois passei a sonhar com mortos.

Atualmente meus sonhos me levam para o entremeio da vida e da morte.

Deve ser por causa da enxurrada de notícias com números cada vez mais altos de óbitos neste país obtuso.

A pandemia é assunto 24h há um ano.

E ainda ouço a música, vozes festeiras, barulho e risadas de gente despreocupada quando eu, debruçada na janela, paro uns minutos no dia para apreciar o que posso alcançar do mundo fora de casa. 

Tais risadas são o prenúncio da falta de ar de outros. Mas eles não pensam nisso.

Festejam sem se importar com os que enlutam.

...

Preciso de agulha e linha.

Devo costurar o resto de felicidade, que ainda há em mim, bem perto do coração.

Coração que grita e pulsa agitado na ânsia por boas notícias.

Minhas carótidas saltam. 

Vejo-as neste agito diário diante do espelho no banheiro. 

O sangue revolto, espesso, escuro viaja muito rápido pelo meu corpo em erupção.

Por vezes, exalo um cheiro de ferro... expelido da limpa do excesso de sangue - paquete-bio-fêmea.

Não ouso pintar a boca de batom na mesma cor da seiva que alimenta minhas subclávias.

...

Minha respiração está ofegante mais uma vez.

- Inspira. Expira. Inspira. Expira.

Eu tenho ar e penso nos órfãos da pandemia.

Sinto cheiro de éter.

Sinto cheiro de cadáver.

Sinto cheiro de cloro.

Sinto cheiro de álcool.

Sinto cheiro de mentiras.

Sinto cheiro de descaso.

...

Várias gentes com veneno circulando em artérias.

E minha jugular pulsando... meu pulso latejando.

Como socos na boca do estômago sinto dores. 

O céu cheio de cores e o corpo torpe.

Calafrios na alma e meu pescoço por entre minhas mãos.

Minhas mãos.,, minhas mãos - não!

Me inquieto vendo as dores dos outros.

Hoje o céu chorou várias vezes e não cessa.

De hora em hora cai um lágrima que somada à tantas outras torna-se uma borrasca sentimental.

...

Minhas veias dão vários nós e não os desato. Insensato arquejar.

Parece que pensar incomoda e assim ando bem incomodada.

Como uma gata afio minhas unhas e miro na jugular, pois no mundo sou sangue e broto das veias incontidas no meu corpo arredio.

Nada me convence de que devo fazer diferente. Isolada estou. Em retiro à doze meses. Um exílio involuntário mas consciente.

Minhas pálpebras lentas nos olhos agora letárgicos contam os minutos até o escurecer.

Nada é mais contundente do que a esperança na luta por permanecer viva e latente.

Ser semente num processo de coagulação diária em linhas de medo sob noites infindas.

Quanto mais sou mais quero ser. Hoje e amanhã procurando isolar o medo. Medo. Medo.

Em minhas mãos. Medo. Em minhas mãos. Força. Em minhas veias. Vida.

Neste tempo quanto mais nos isolamos mais sobrevivemos.

Sou sangue. Sou sal. Sou lágrima. Sou fel. Sou vento. Sou árvore. 

Nenhum segredo a revelar. 

Sob toda minha pele sou puro plasma da jugular.

E os pássaros lá fora continuam a cantar...











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