O PAVIO

Acredito que a maioria das pessoas não dá a devida importância a um pavio.
Aquela mecha fina de algodão é o coração de uma vela. 
Verdadeiramente é alma de uma vela.
Noite passada acabou a luz em casa, e lá se foram uns vinte minutos só pra encontrar uma caixa de fósforos e acender a vela que fica em alguma gaveta da cômoda. 
É que às vezes, coisas mudam de lugar em minhas gavetas, já que algumas outras mãos insistem em arrumar minhas meias, meus lenços de cabelo, meus anéis...
Bem, tateando aqui e ali, encontro a caixinha de fósforos, percebo que havia apenas uns quatro ou cinco palitos lá dentro, ela estava leve e sonoramente bastante vazia. 
Para minha surpresa, e sentida pelo tato, havia uma pequena poça de algum líquido ao lado da procurada e desejada caixa, juntamente com o miado longo do meu gato. Aquela minguada poça de algum líquido foi o suficiente para umedecer e impedir que o risco do fósforo fosse ateado.
Bem, lá se foi o potencial de eu conseguir uma pequena chama e iluminar ao menos um cômodo da minha casa. O gato assustado com o apagão subiu na pia, derrubou o vasinho de flores que bateu num copo que devia estar com um fundinho de leite que eu tomava bem na hora que a luz se apagou.
Eis a poça que amoleceu a caixinha de fósforos.
Novamente saio em busca de algo para atear fogo àquela vela já em minha posse, após ser encontrada na terceira gaveta da escrivaninha (e não da cômoda, como a princípio pensei).
Foi aí que me lembrei do único isqueiro que haveria de estar em algum lugar da sala. Isqueiro este esquecido pela filha fumante de um amigo que nos visitou semana passada.
Tateando aqui e ali, encontrei algo diferente perto de um dos vários bibelôs que enfeitam minha velha estante. Certamente seria o isqueiro.
Passando o polegar sobre a parte superior por onde é produzida a chama, giro e a tão esperada luz aparece. Agora é só acender a vela.
Isqueiro e vela nas mãos, tento uma, duas, três vezes e nada da vela acender, entretanto já começa a derreter com o calor emanado pela chama do isqueiro.
Com o isqueiro aceso em uma das mãos, com a outra seguro a vela, e passo a analisar aquele produto industrializado roliço feito à base de parafina, para entender o que havia de errado.
Provavelmente, por um erro na fabricação que passou batido pelo controle de qualidade, se é que existe este setor numa fabriqueta de velas do interior de Minas Gerais, aquela vela, minha única vela, não tinha pavio.
Aquela vela era só parafina, maciça, pálida, íntegra, sem nada lhe atravessando para servir de pavio e segurar a chama acesa por aquele isqueiro esquecido pela filha fumante do meu amigo.
Uma vela sem pavio não há de ter serventia.
Agora volto para a cozinha tateando os móveis para não tropeçar em nada à procura do cesto de lixo para jogar fora aquela vela desparafinada. 
Toda a minha luta para (tentar) acender uma vela, certamente durou quase uma hora, até o momento em que o cesto do lixo recebeu aquela vela inútil.
Fiquei mais uns quinze minutos refletindo profundamente sobre a importância do pavio.
Uma vela sem pavio é uma vela sem alma.
Eu querendo uma mísera chama pra não permanecer na escuridão na mesma semana que alguns tentaram apagar a tal da tocha olímpica. Ah...
A energia elétrica finalmente é restabelecida, olho para o relógio pendurado na parede da sala que já marcava cinco pra meia noite daquela sexta feira.
Apago a luz e vou dormir.


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