Salve Cazuza.

Ontem não tive vontade de falar sobre os 30 anos sem Cazuza.
Hoje tenho fôlego para esboçar que Cazuza fez parte do meu show de adolescente. Tinha todas as músicas na ponta da língua. Ainda guardo na memória muitos refrãos e até letras completas.
Eu cantava no quarto, no chuveiro, no intervalo na escola. Andava com o violão à tira colo e cantava o ídolo com a turma na casa de alguém aos finais de semana. Cazuza estava com a juventude da época que clamava pelas ‘diretas já’ naqueles anos 80, pedindo pro Brasil mostrar a cara.
O aniversário de morte do cantor e compositor, que tocou uma geração no pós ditadura militar, na data de ontem (07/07/2020), trouxe-me algumas reflexões a partir de suas letras de música da época mas bem atuais.
Dias atrás, circulou pelas redes o ‘papo cabeça’ entre as duas socialites sobre marmitas aos pobres de rua. Só ressaltou como permanece a visão distorcida (ou falta total de visão) da realidade do que é (sobre)viver nas ruas. Estas conversadeiras sobre assunto tão longe da realidade das mesmas, nos faz notar como trinta e um anos depois da música Burguesia, esta elite (sem generalizar) fala e dorme tranquila.
Elas dormem tranquilas, mesmo achando que sabem os motivos diversos que conduziram pessoas ao mais degradante estado de miserabilidade a povoar calçadas, resultando nesta população que já não é um número insignificante. Elas estão na frente das estações de metrô, terminais de ônibus, calçadões, praças, marquises, sarjetas, portas de igreja...
Burguesia lançada em 1989, mesmo ano em que venceu o segundo turno, Fernando Collor de Melo para presidência do Brasil, ainda mostra que a 'nossa' burguesia descrita outrora por Cazuza, continua sem charme e nem é discreta. Usa das redes para divulgar sua falta de empatia e não solidariedade.
Música e política sempre andaram juntas.
Ora a política estava presente nas letras, ora a política proibia as letras de serem tocadas, ouvidas. Noutras vezes a música lembra a política em suas estrofes ou ainda é feita para, justamente, esquecermos do caos político, enquanto cantam desonras amorosas e traições. Nova moda.
O avanço das ideias de extrema direita nitidamente presente nos discursos e falas inflamadas (a maioria aparvalhadas, sim) de certos políticos daqui e de lá, traz aos meus devaneios cazuzianos, reminiscências de uma juventude onde eu também era aquela garota que pensava em mudar o mundo, mas hoje vê que ‘ser artista no nosso convívio, pelo inferno e céu de todo dia, pra poesia que a gente não vive, transformar o tédio em melodia’* é necessário e urgente.
Tédio, pois numa quarentena perto de completar quatro meses, embora quase tudo esteja sendo liberado ao mesmo tempo que números de infectados e de mortos ascendem, não há melodia pronta. É transformar pequenos detalhes do dia e da noite das últimas dezesseis semanas em poesia.
Pois é preciso ser verdadeiro artista e esperar que haja amor pra amanhã o dia nascer feliz.
Salve Cazuza.

by Adriana Drih Paris

*trecho da música Todo Amor que Houver nesta Vida (Cazuza)

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