ANDO A SONHAR COM MORTOS

Primeiro foi meu sogro.

Me apareceu em sonho com sua Kombi branca apreendida por guardas de trânsito por estar com os documentos irregulares.

Estacionado estava em frente uma padaria. Calmo e brando.

Num piscar de olhos ou num suspiro no sono ele já estava sentado num dos bancos  traseiros e um dos marronzinhos foi quem tomou à frente a direção.

O vi ali sorridente, tão feliz!

Cabelos penteados para trás com seu topete alvo.

Olhou-me e acenou tão contente que senti uma profunda felicidade dormindo.

Ele está bem.

Outra noite foi o meu gato preto que conviveu conosco por quinze anos e decidiu que em três meses deveria partir.

Foi rápido. Não muito doloroso para ele pois observamos dia a dia a evolução do doença. 

E cuidei e cuidei e amei e amei e miei com ele.

Ele estava no topo da escada que dá ao sótão a me olhar com seus vibrantes olhos verdes.

Só estes olhos reluzindo em meio à escuridão daquela noite quente de janeiro.

Eu o chamei. Ele miou como sempre fazia. Desceu correndo os degraus e veio se roçar entre minhas pernas.

Senti seus pelos macios se esfregando em mim. Acordei e chorei.

Nesta noite veio me visitar alguém com quem nunca estive pessoalmente, não convivi olho no olho. Mas foi alguém que sempre esteve comigo através de sua voz, poesia e música.

Belchior veio me trazer um bolo de aniversário no dia em que não faço aniversário mas era o nome dele confeitado ali.

Ele me trouxe convites especiais para seu show. Disse que eu ficaria perto e depois na cochia para conversarmos.

Ele esteve em casa e saiu sem se despedir para não se atrasar.

Eu não encontrei minha carteira de documentos e fiquei estática na sala.

A hora avançou. Perdi o show.

Mas ele permaneceu comigo até eu despertar na madrugada.

Ando a sonhar com mortos.

Eles chegam sorrateiros no meio da noite, no meio do sono.

Nítidos, com suas melhores aparências de quando estavam entre os vivos.

Agora, entre anjos e estrelas, sorriem, miam e cantam iluminando outros lugares por onde ainda viajam.

Meus sonhos andam por lugares e nestes lugares viajo e canto e sorrio e mio e ando e sonho e vivo. Ainda vivo.

By Adriana Paris 

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