A televisão.
Escrevo diante de uma televisão
desligada.
Ela me olha incógnita tentando
entender por que eu não a deixo acordar.
Estática e negra dependurada na
parede da sala, ela permanece muda.
Além de muda parece surda por que
não ouve este teclado inquieto que, letra a letra que vai formando, numa
escrita corrida, o meu pensamento incólume.
Mesmo calada e escura a televisão
desvia minha atenção e, minuto a minuto, paro de teclar e troco olhares com os
botões do controle remoto que permanece por perto, na poltrona ao lado de onde
me encontro.
No mais, há uma janela aberta que
irrompe, vez ou outra, um pouco de ar fresco, como se numa troca programada da
atmosfera que permeia os móveis desta sala absorta no silêncio absoluto, exceto
pela minha respiração pausada e o teclar no meu notebook.
Acredito que este ar que entra
sem permissão, mas completamente necessário para renovar minhas ideias, faz com
que haja um pouco de vida além da minha, que de frente para uma televisão,
aparentemente morta, sente que algum inseto agora voa neste ambiente.
Não há melhor lugar nesta casa do
que o sofá da sala.
Ele já tem seu assento um tanto
profundo e moldado pelas minhas nádegas achatadas que transpiram em contato com
o couro macio nestas tardes de verão.
Não são necessárias outras
pessoas, nem uma voz saindo do telefone, ou qualquer imagem sendo transmitida
por esta televisão à minha frente (calada!).
O silêncio me pertence. O estar
só faz parte do que quero. Nenhuma pergunta chega até mim senão as tão somente minhas,
emanadas de um pensar constante e inquieto sobre estar no mundo.
(Ouço um cavalgar infinitamente
baixo aos meus ouvidos normais. Há de passar já já, um cavalo esguio e
apressado por esta rua de terra que há na parte da frente de minha morada.
Cavalos são comuns por aqui. Eles passam ora velozes, ora tranquilos e devagar.
Tudo depende da vontade de seu montador.)
Não me incomodo mais com o olhar
parado desta televisão desligada à minha frente. Ela permanece sem palavras,
sem som, sem cor, inerte à tudo o que se passa nesta sala. Mas, afinal o que se
passa nesta sala a não ser eu mesma a digitar, digitar e o mesmo inseto ainda a
zunir pelo ar agora rarefeito pois não há nenhum tipo de vento a querer entrar
pela janela aberta, a não ser este arzinho morno?
Surge agora, para me fazer
companhia, meu gato preto que estava até agora a dormir debaixo da poltrona
onde descansava o controle remoto desta televisão enorme e silenciosa da minha
sala de estar.
Meu gato, após uns dez minutos de
lambidas por todo seu corpo após as cinco longas horas de sono, dá um salto e
sua pata dianteira se apoia justamente no botão de liga e desliga do controle
remoto que nem remotamente eu pensava em manuseá-lo.
E agora uma voz grave sai da
televisão que vai clareando rapidamente e, sem saber em qual emissora ela
estava quando foi desligada pela última vez, vejo uma imagem de campo, uma
longa estrada de terra e dois cavalos se aproximando de mim.
Há um casal a galopar nesta linda
paisagem que agora invade minha sala até então adormecida. E o meu gato já saiu
correndo faz tempo, assustado pela traquinagem inconsciente e irracionalmente
operada através do seu pisar.
Os cavalos avançam como se fossem
sair da tela da TV e se preparam para saltarem sobre mim em meu sofá, me
tirando do tranquilo e sereno momento de escrita.
E, não mais absorta em meus pensamentos,
continuo a redigir este pequeno texto, agora mais interessada no encontro entre
os cavalos da televisão com o que se aproxima da entrada da minha chácara neste
canto da serra onde, alguns dizem, me
escondo.
Não sei se olho pela janela afora
e admiro o cavalo que lancha na grama da minha calçada verde ou se percebo
quantos detalhes há nesta cena de amor entre o casal que cavalga sem pressa na
tela da minha 48 polegadas...
E este inseto que resolve voar e
zunir nos meus ouvidos justo agora...
Adriana Paris em 28-02-2017 no
Recanto Ricadri
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