UM SOPRO


Não importa que a compota de abóbora tenha ficado aberta sobre a mesa.
Não sei se alguma barata andou rondando a boca do pote de doce.
Há tantas coisas menos desimportantes que a compota amanhecida escancarada.
Não te vejo faz um tempo.
Tem outro tempo que não vou à missa.
Vi uma placa no portão da igreja: ‘retornamos dia 26 de janeiro’.
Padre também tira férias!
Eu não precisava ter ouvido aquela respiração tão ofegante.
Assim eu teria certeza de que tinhas o ar fluído sem sofrimento algum.

Meu quintal está cheio de poeira.
É uma poeira espessa.
Tem um cheio meio doce no ar.
E o doce do cheiro não é daquela compota aberta.
Isso eu sei.

Não mereço mais atenção que a já dispensada.
Obrigada!
Minhas torres vieram de Paris e não quero ver o mundo do topo.
Gosto de estar embaixo e olhar pra cima.
Acho as estrelas bonitas.
Eu não precisava ter aprendido mais uma vez que basta um sopro.
Somos um sopro.
Quando o cerco se fecha e tudo pára não há mais nada dentro.
Parece uma caixa vazia.
Um saco sem nada dentro.

Meu portão está quebrado.
Se eu sair não entro mais.
Vou ficar do lado de dentro hoje.
Vou ficar dentro de mim esta noite.
Só vou sair de mim pra vir até este teclado e escrever um pouco.
Escrever pra ninguém ler.
Escrever pra alguém não ler.
Vou decidir se a compota aberta me importa mais ou menos
Que não ver mais você perto de mim.

Um sopro.
Senti a brisa e no tempo de um sopro você foi embora.
Pensarei nisto todo ano quando soprar a vela do bolo.
Não sou Clarice, mas um sopro de vida eu vi.



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