FELIZ ANO NOVO EUSTÁQUIO




 Não conhecia o autor e nem sua obra.
 Porém, passando por uma das bancas de exposição na feira anual de livros, por apenas três reais comprei dois de sua autoria (mesmo título), um para mim e o outro para presentear um amigo meu que iria aniversariar naquele mês.
 Alguns diriam: ‘por três reais, você acha que o livro é bom?’.
 Sinceramente eu não sei se livro bom tem que ser caro. Aliás, em nosso país livro é caro. Livro bom e não tão bom, se é que podemos usar tal qualificação.
 Livros agradam, identificam, aproximam os leitores. Não falo livro bom ou livro ruim, enfim! Mas livro caro também não pode ser desculpa pra quem não gosta de ler. Há vários sebos, feira de livros usados, banco de trocas, a estante do amigo, bibliotecas públicas...
 E foi ‘A Biblioteca no Porão’ que me chamou a atenção naquela banca de livros.
 Até tenho o hábito de pesquisar, mesmo que rapidamente sobre o autor, antes de adquirir um livro novo ou usado. Saber a biografia do autor orienta minha análise ao correr da obra. Mas a real verdade é que, em literatura, sou mais atraída pelo título do que pelo nome de quem o escreve e assina.
 Comprei os dois exemplares do mesmo livro no começo de dezembro e resolvi que este seria o primeiro livro a ser lido no novo ano que se seguiria. E assim o fiz.
 Logo no dia três de janeiro, bem cedo, foi ele que retirei da estante, me acomodei no sofá da sala com dois travesseiros, um lápis (tenho o hábito de fazer anotações em tudo o que leio), a mascote canina de um lado e do outro, na mesinha de canto ao lado do braço direito do sofá, meu inseparável copo com água.
 Diante de crônicas tão envolventes, inteligentes, curtas, porém cheias de conteúdo e globais, vejo-me encantada não só por suas linhas como também pela perceptível facilidade em que o autor tem em redigir. Só interrompi a leitura para as rápidas refeições do dia e às higienes necessárias.
 Foram muitos nomes de outros autores que ele citou e que lhe serviram de referência cultural para o que vinha produzindo.
 Muitos eu conheço e até já li. Alguns tenho a pretensão de ler e tantos outros para mim eram inexistentes ou simplesmente desconhecidos, que o livro novo de novo ano já se via todo anotado, grifado, rabiscado, dobrado nos cantos de páginas.
 Resolvi adotar a ideia de ter um poema de bolso após ler sua crônica sobre o falso poema de Borges.  Nada me identificou mais do que os três versos iniciais de ‘Instantes’ que também, à mim, ainda era inédito, já que não o conhecia e que o autor trouxe à luz:

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
Na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.

 Incrível quando ele, o autor do livro, descobriu que o Borges não era o verdadeiro autor do poema. Foi nítido seu espanto, ele retratou sua decepção, mas o poema era tão bom que ao final das contas seus versos eram o que mais importava.
 Interrompi a leitura, escrevi tais versos numa folha de papel, dobrei e logo coloquei entre os documentos na minha carteira para, de fato, me acompanharem por todo o ano.
 Voltei à leitura e após rir muito com ‘Em busca de Pérola’, tomei a decisão de procurar na internet a biografia do autor – finalmente. Faltavam apenas duas dúzias de páginas pra eu acabar o livro que eu mastigava desde a primeira hora do amanhecer.
 Descobri tristemente que o autor morreu de infarto em 2014.
 Logo após uma terrível e longa pausa de quinze segundos de incredulidade, eu disse em voz tão alta que a minha cachorrinha que estava em sono profundo ao meu lado saltou em latidos assustada: ‘não pode ser!’.
 Ele me parecia tão presente, tão vivo. Acabei de conhecer o Eustáquio! Na orelha do livro está escrito que ele nasceu em 1952 e não tinha data de morte. Então deveria estar vivo.
 Como ele mesmo mencionou que gostou tanto de certo autor que trocou cartas por um bom tempo com ele e trinta anos depois retomaram as correspondências por e-mail, já que a tecnologia os favoreceu, pensei a mesma coisa quando fui pra internet: descobrir o endereço eletrônico ou uma página sua na rede social e vamos nos corresponder.
 Outro hábito que tenho é olhar o ano da edição antes de comprar um livro. Mas neste, o título já me bastava. Uma biblioteca no porão deve conter tanta riqueza que além do ano de nascimento do autor lido na orelha, nada mais me importava. Queria ler o livro e pronto. Talvez se eu tivesse visto que a edição era de 2003, seria mais fácil contemplar a ideia de que o autor poderia já estar morto.
 E agora, depois desta terrível descoberta cheguei à duas certezas.
 A primeira de que não lerei nenhum texto novo do Eustáquio Gomes.
 Outra, a de que quero ler tudo o que ele produziu até o ano de sua morte.
 Se houver vida no lugar que ele estiver (se estiver) e a tecnologia vencer a barreira do tempo, que ele saiba que gostei muito, muitíssimo mesmo de conhece-lo. Que lá onde ele estiver o sinal seja melhor que aqui e ele consiga ler esta crônica que acabei de escrever e postar no meu blog.
 Feliz ano novo Eustáquio Gomes, aos três dias de janeiro do ano de 2017.


Adriana Paris

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